Digo-lhe, amigo, nada naquela mulher anunciava seus desencantos. E
questiono-me se é essa a correta palavra, visto que estou aqui, partida,
mas é ainda por ela que tenho amores. Olho-me no espelho e não me
reconheço: no peito falta um pedaço. Mas na mesma intensidade em que dói
a alma, regozija-se o sorriso por ter me deixado perder no prazer que é
aquela mulher. Por isso, não me forço a dizer que me arrependo. Antes,
sinto-me insana e grata.
Deixei-me enroscar em suas mentiras tanto
quanto em seus cabelos, deixei-me levar por sua voz, sensual, a cada vez
que seus dedos me tomavam. Fechei os olhos e entreguei-me como caça,
sem me importar que ela fosse predadora. Agora, não lhe posso ser
injusta. Ela tomou de mim tudo aquilo que lhe entreguei. Tomou por
direito, tomou o que era dela, e deixou-me aqui quebrada e saciada.
Seriam fraturas o mesmo que prazer? Saciar-se é entregar-se assim, por inteiro
e voltar pela metade?
Loba! Tigresa!
Enganou-me tanto quanto eu
permiti. Como poderia querer que não o tivesse? Fui tola, idiota até, em
achar que ela valorizaria o que recebeu sem perdas. Porque creio,
amigo, que no amor todos têm de perder um pouco, do contrário, é apenas
mais um jogo de poder. É política ou xadrez. Mas ninguém conhece todas
as cartas da mesa, não é mesmo? E eu caí no perfeito blefe, entregando sem nada receber em troca.
Sim, eu
rio. Faço piada com a minha própria desventura antes o possam os outros
fazer. Nos dias que seguem, estarei derrotada, destruída. Quero o
consolo de poder ao menos sorrir de meu próprio engano.
Amor! Como
pude acreditar? Brilhavam-me os olhos enquanto ela pisoteava meu peito
com elegância, devorava-me o coração em pequenas garfadas. Em ardentes
noites infindáveis, fechei os olhos enquanto ela os manteve abertos. Ela
me conhecia, amigo. Quiçá, muito mais do que conheço a mim mesma. Ela
conheceu minhas fraquezas e me levou à falência completa da razão. Ela
me teve. Me domou. Dominou. E quase me extinguiu.
Agora? O que me
resta é morrer de amor, buscar resiliência em alguma esquina pouco frequentada,
reconstruir o restante deste corpo fraco, desta mente perdida. Mas vou sim
com um sorriso no rosto, amigo. Afinal, ainda ficará a cicatriz
para lembrar que com ela, um dia, eu estive.
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