16 de jan. de 2017

Faminta

Digo-lhe, amigo, nada naquela mulher anunciava seus desencantos. E questiono-me se é essa a correta palavra, visto que estou aqui, partida, mas é ainda por ela que tenho amores. Olho-me no espelho e não me reconheço: no peito falta um pedaço. Mas na mesma intensidade em que dói a alma, regozija-se o sorriso por ter me deixado perder no prazer que é aquela mulher. Por isso, não me forço a dizer que me arrependo. Antes, sinto-me insana e grata.

Deixei-me enroscar em suas mentiras tanto quanto em seus cabelos, deixei-me levar por sua voz, sensual, a cada vez que seus dedos me tomavam. Fechei os olhos e entreguei-me como caça, sem me importar que ela fosse predadora. Agora, não lhe posso ser injusta. Ela tomou de mim tudo aquilo que lhe entreguei. Tomou por direito, tomou o que era dela, e deixou-me aqui quebrada e saciada. Seriam fraturas o mesmo que prazer? Saciar-se é entregar-se assim, por inteiro e voltar pela metade?

Loba! Tigresa!

Enganou-me tanto quanto eu permiti. Como poderia querer que não o tivesse? Fui tola, idiota até, em achar que ela valorizaria o que recebeu sem perdas. Porque creio, amigo, que no amor todos têm de perder um pouco, do contrário, é apenas mais um jogo de poder. É política ou xadrez. Mas ninguém conhece todas as cartas da mesa, não é mesmo? E eu caí no perfeito blefe, entregando sem nada receber em troca.

Sim, eu rio. Faço piada com a minha própria desventura antes o possam os outros fazer. Nos dias que seguem, estarei derrotada, destruída. Quero o consolo de poder ao menos sorrir de meu próprio engano.

Amor! Como pude acreditar? Brilhavam-me os olhos enquanto ela pisoteava meu peito com elegância, devorava-me o coração em pequenas garfadas. Em ardentes noites infindáveis, fechei os olhos enquanto ela os manteve abertos. Ela me conhecia, amigo. Quiçá, muito mais do que conheço a mim mesma. Ela conheceu minhas fraquezas e me levou à falência completa da razão. Ela me teve. Me domou. Dominou. E quase me extinguiu.

Agora? O que me resta é morrer de amor, buscar resiliência em alguma esquina pouco frequentada, reconstruir o restante deste corpo fraco, desta mente perdida. Mas vou sim com um sorriso no rosto, amigo. Afinal, ainda ficará a cicatriz para lembrar que com ela, um dia, eu estive.

Nenhum comentário: